"A
Viagem do Elefante" é uma metáfora da vida humana, *Ana Nunes Cordeiro
https://www.jn.pt/artes/a-viagem-do-elefante-e-uma-metafora-da-vida-humana-1039578.html
Existiu, no século XVI, um paquiderme
indiano que caminhou de Lisboa a Viena, ao qual José Saramago chamou Salomão e
cuja história conta no seu novo livro.
"O livro narra uma viagem de um
elefante que estava em Lisboa, e que tinha vindo da Índia, um elefante asiático
que foi oferecido pelo nosso rei D. João III ao arquiduque da Áustria
Maximiliano II (seu primo). Isto passa-se tudo no século XVI, em 1550, 1551,
1552. E, portanto, o elefante tem de fazer essa caminhada, desde Lisboa até
Viena, e o que o livro conta é isso, é essa viagem", disse o escritor, em
entrevista à Lusa.
Saramago considera-o um conto, e não
um romance, "porque lhe falta o que caracteriza em primeiro lugar um
romance: uma história de amor -o elefante não conhece uma elefanta no caminho -
e conflitos, crises", argumentou.
Para este novo livro, o escritor não
encontrou informação histórica suficiente "para dar consistência a essa
viagem, porque alguma coisa teria de acontecer enquanto a viagem durou, e durou
meses", pelo que lhe restou "a invenção, fabricar uma história".
"Os dados históricos eram pouquíssimos
e o que há tem que ver principalmente já com o que se passou depois da chegada
do elefante à Áustria. Daqui de Lisboa até lá, não se sabe o que aconteceu.
Sabe-se, ou parte-se do princípio de que foi de Lisboa até Valladolid - onde o
arquiduque era, desde há dois ou três anos, regente, em nome do imperador
Carlos V (de quem era genro) -, que embarcou no porto da Catalunha para Génova
e que tudo o que não foi esta pequena viagem de barco foi, como costumamos
dizer, à pata", resumiu.
"Creio que no próprio dia da
minha chegada fomos jantar com outros professores a um restaurante que se
chamava 'O Elefante'. O simples nome do restaurante não era suficiente para
despertar a minha
"[Contei esta história] em
primeiro lugar, porque me apeteceu, e em segundo lugar, porque, no fundo - se
quisermos entendê-la assim, e é assim que a entendo - é uma metáfora da vida
humana: este elefante que tem de andar milhares de quilómetros para chegar de
Lisboa a Viena, morreu um ano depois da chegada e, além de o terem esfolado,
cortaram-lhe as patas dianteiras e com elas fizeram uns recipientes para pôr os
guarda-chuvas, as bengalas, essas coisas", referiu.
"Quando uma pessoa se põe a
pensar no destino do elefante - que, depois de tudo aquilo, acaba de uma
maneira quase humilhante, aquelas patas que o sustentaram durante milhares de
quilómetros são transformadas em objectos, ainda por cima de mau gosto - no
fundo, é a vida de todos nós. Nós acabamos, morremos, em circunstâncias que são
diferentes umas das outras, mas no fundo tudo se resume a isso", defendeu.
Sobre a epígrafe do livro, o prémio
Nobel da Literatura português sustentou que esta "é muito clara quando diz
'sempre acabamos por chegar aonde nos esperam'".
"E o que é que nos espera? A
morte, simplesmente. Poderia parecer gratuita, sem sentido, a descrição, que
não é exactamente uma descrição, porque é a invenção de uma viagem, mas se a
olharmos deste ponto de vista, como uma metáfora, da vida em geral mas em
particular da vida humana, creio que o livro funciona", comentou.
Sem comentários:
Enviar um comentário